sábado, 22 de maio de 2010

Acima do Solo

Vivo escondido de tudo e todos, debaixo de uma camada de terra, ou até mesmo na podridão de um esgoto. Sou uma aberração que não tem boca, nariz, pernas e braços, só me sobrou a cabeça, o tronco, os olhos, os ouvidos e o cérebro, esse quase em decomposição total por todos os pensamentos que tive e que ainda tenho sobre aqueles que habitam a parte superior do solo. Perdi o resto das partes que me compunham por que hoje elas já não são mais necessárias para mim, pois tudo que vi e escutei me fizeram acreditar que ter uma corda vocal ou um nariz hoje em dia é desnecessário, pois tudo que eu disse, expressei ou confrontei, foi em vão.

Por ser um ser vivo totalmente macabro e horripilante, fui obrigado a me abrigar no mais sombrio lugar, pois aqui me sinto seguro deles. Gosto de morar aqui, por que daqui posso ver e ouvir tudo que eles aqui em cima dizem e fazem, e com isso, a cada dia consigo ter certeza de que fiz a escolha certa para mim, pois lá em cima é tão podre quanto um aterro.

Como pode um ser vivo com tanta inteligência e capacidade de raciocínio elevada, tratar um da mesma espécie com arrogância, desprezo e indiferença? Me sinto envergonhado de um dia ter sido da mesma espécie que eles. Acho que por eu ter tentado ser um humano diferente, não permitindo que minhas atitudes e opiniões sejam oprimidas por esses que se colocam em um posto superior na classe entre eles, acabei perdendo minhas características que me tornavam cientificamente um deles, e sinceramente, quando encosto minha cabeça em um canto do meu lar, penso no quanto estou feliz em morar aqui embaixo.


(Barulho de pessoas falando ao mesmo tempo)

- Caio, acorda! Ta na hora do expediênte, acabou o horario de almoço, você tem que começar ser mais rápido no caixa, os clientes sempre tem a razão, leve essa frase com você e será um ótimo balconista!
  Caio acorda:
- Sim senhor...